A HIPOCRISIA DO CAVIAR DA CPLP

A CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa vai organizar a 6.ª edição da corrida da CPLP contra a fome para ajudar a “enfrentar um dos maiores desafios” actuais, anunciou o secretário-executivo, Zacarias da Costa, defendendo que servirá também para promover a língua e a cultura. Ou seja, tapa-se o Sol com uma peneira, tem-se espaço mediático e brinca-se com os milhões de lusófonos que continuam a aprender a viver sem… comer. No fim, é claro, a festa termina com um faustosos jantar!

A “Corrida da CPLP – Juntos Contra a Fome”, que este ano se realiza no Centro Desportivo Nacional do Jamor, em Portugal, em 31 de Maio, tem como objectivo “mobilizar as sociedades para que, juntas, possam enfrentar um dos maiores desafios do nosso tempo: a fome”, disse Zacarias da Costa, na luxuosa sede desse “elefante branco”, em Lisboa.

De acordo com o secretário-executivo, “este evento tem também o condão de contribuir, de forma responsável, para a promoção da língua e cultura dos povos da CPLP”, fazendo a ligação ao Dia Internacional da Língua Portuguesa, que se celebra em 5 de Maio. Todos vão ficar a saber que, em português, fome diz-se… fome e que fome significa ter necessidade de comer. É obra!

“Esta será uma oportunidade única para nos unirmos novamente, reforçando os laços de solidariedade entre os países que partilham a língua portuguesa e para promovermos a necessária mobilização sobre questões sociais que são urgentes e que afectam muitas comunidades em todo o mundo”, referiu Zacarias da Costa.

Desde 2014 que esta corrida tem percorrido vários Estados-membros, com edições realizadas em Portugal, Cabo Verde, Moçambique e São Tomé e Príncipe, e pretende a reflexão “sobre questões que são fundamentais” para o futuro da comunidade, como “a luta contra a fome, a insegurança alimentar e nutricional”, indicou.

Segundo explicou Zacarias da Costa, durante o seu discurso, a corrida tem origem na campanha Juntos Contra a Fome, que é uma parceria entre a CPLP e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

Para Zacarias da Costa, a fome continua a apresentar números preocupantes em todo o mundo, colocando assim em risco o cumprimento do Objectivo de Desenvolvimento Sustentável de erradicação deste problema.

Assim, disse, a edição deste ano retoma os esforços das edições anteriores para se “continuar a agir, não só para erradicar a fome, mas também para promover hábitos de vida saudável”.

O secretário-executivo salientou ainda que a corrida será antecedida por uma conferência sobre diplomacia do desporto na CPLP, que “explorará como o desporto pode servir como uma ferramenta diplomática poderosa para promover a língua e trazer ao debate questões que possuem um impacto social relevante” para a comunidade.

A campanha Juntos Contra a Fome continua a apoiar comunidades vulneráveis em Cabo Verde, Moçambique, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, enumerou.

“A corrida da CPLP não é apenas um evento desportivo. É um movimento. É um símbolo do nosso compromisso com o bem-estar das comunidades que mais precisam”, concluiu.

Criada em 1996, a CPLP tem actualmente nove Estados-membros: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste e Guiné Equatorial – cuja adesão, em 2014, criou polémica.

Teoricamente a CPLP tem como objectivos prioritários a concertação político-diplomática entre os seus estados membros, nomeadamente para o reforço da sua presença no cenário internacional; a cooperação em todos os domínios, inclusive os da educação, saúde, ciência e tecnologia, defesa, agricultura, administração pública, comunicações, justiça, segurança pública, cultura, desporto e comunicação social.

Mas será que existe uma estratégia comum em matéria, por exemplo, de educação? Não. Não existe. Será que existe uma estratégia comum em matéria, por exemplo, de saúde? Não. Não existe. Será que existe uma estratégia comum em matéria, por exemplo, de ciência e tecnologia? Não. Não existe. Será que existe uma estratégia comum em matéria, por exemplo, de defesa? Não. Não existe.

Não vale a pena continuar a pôr estas perguntas porque, de facto não existe nenhuma estratégia comum, seja em que matéria for. Comum a todos, comum como se existisse uma verdadeira comunidade. Existem casos pontuais, entre alguns dos estados-membros, mas nada em sentido comunitário.

Três países lusófonos – Guiné-Bissau, Angola e Moçambique – estão entre os que têm a pior taxa de mortalidade infantil.

Durante anos o argumento da guerra serviu às mil maravilhas para que esse “elefante branco” que dá pelo nome de CPLP, enquanto organização que congrega os países lusófonos, dissesse que só podia – quando podia – mandar algum peixe. Para ensinar a pescar era imprescindível a paz. Angola está em paz (ausência de tiros) há 23 anos…

E agora? Há muito que existe paz, nomeadamente em Angola e mais ou menos na Guiné-Bissau. Será que as canas de pesca são mais caras que as Kalashnikov? Será que os actuais 20 milhões de pobres angolanos só vão ter direito à cana de pesca quando o rio Kwanza nascer na foz?

Segundo declarações de José Eduardo dos Santos, feitas em 2008, existia a esperança de que “a vontade política que norteia a CPLP, bem como as excelentes relações entre os seus membros dêem lugar a programas concretos que fomentem o crescimento económico, a erradicação da pobreza e a integração social, para que a médio/largo prazo pudéssemos estar todos no mesmo patamar de desenvolvimento”. Isto foi dito em… 2008.

E acrescentava: “deve-se, por isso, pensar muito a sério na criação de facilidades financeiras para a promoção recíproca do investimento e da cooperação económica”.

Todos estão de acordo. Só que… continua a não fazer sentido pedir aos pobres dos países ricos para dar aos ricos dos países supostamente pobres. Em vez de se preocupar com o povo que não pode tomar antibióticos (e não pode porque eles, quando existem, são para tomar depois de uma coisa que o povo não tem: refeições), a CPLP mostra-se mais virada para questões políticas, para o suposto aprofundamento da democracia.

Que adiantará ter uma democracia (e em Angola nem isso existe) quando se tem a barriga vazia? Valerá a pena pedir, ou exigir, que se respeite a legitimidade democrática se o povo apenas quer deixar de morrer à fome?

De facto, a dita CPLP é uma treta, e a Lusofonia é uma miragem de meia dúzia de sonhadores. O melhor é mesmo encerrar para sempre a ideia de que a língua (entre outras coisas) nos pode ajudar a ter uma pátria comum espalhada pelos cantos do mundo.

E quando se tiver coragem para oficializar o fim do que se pensou poder ser uma comunidade lusófona, então já não custará tanto ajudar os filhos do vizinho com aquilo que deveríamos dar aos nossos próprios filhos.

Folha 8 com Lusa

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